A Origem de São Januário: Uma Resposta ao Racismo no Futebol

Estádio Vasco da Gama

São Januário: Como o Vasco Construiu o Maior Estádio da América do Sul em 1927

A história do estádio de São Januário é muito mais que a simples construção de uma arena esportiva. É uma narrativa de resistência, inclusão social e um marco na luta contra o preconceito no futebol brasileiro. Inaugurado em 21 de abril de 1927, o estádio Vasco da Gama se tornou um símbolo de superação e um verdadeiro patrimônio nacional.

A Origem de São Januário: Uma Resposta ao Racismo no Futebol

Após conquistar o título carioca de 1923 com uma campanha impecável e uma equipe composta por jogadores negros e brancos das camadas populares, o Vasco da Gama começou a escrever um novo capítulo na história do futebol brasileiro. O Rio de Janeiro, como Capital Federal, serviu de vitrine para a façanha vascaína, que levou uma mensagem contra o racismo e o preconceito social para todo o país.

No entanto, esta postura revolucionária revoltou os clubes da elite que comandavam a Liga Metropolitana. Em 1924, América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense romperam com a Liga e criaram a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), excluindo o Vasco.

O Vasco e a Resposta Histórica à Discriminação

O Vasco até foi convidado para fazer parte da nova liga, mas com uma condição inaceitável: a exclusão de 12 de seus jogadores, considerados pela AMEA como “indivíduos despossuídos de condições morais para a prática do esporte”. O estatuto da AMEA tinha como objetivo impedir que clubes montassem equipes competitivas com jogadores das camadas populares, baseando-se no critério do analfabetismo e das condições profissionais dos atletas.

José Augusto Prestes, então presidente do Vasco, tomou uma decisão histórica ao recusar excluir seus jogadores, representando um repúdio total ao racismo e ao preconceito social. O clube retornou à Liga Metropolitana e conquistou novamente o campeonato carioca de forma invicta.

A Campanha para Construção de São Januário

Impulsionados pela tentativa dos “grandes clubes” de enfraquecer o Vasco, os dirigentes vascaínos começaram a debater seriamente a compra de um terreno para a construção de um estádio próprio. Esta seria uma forma de obter total autonomia para o clube e defender sua política de seleção de jogadores sem discriminações.

Em 28 de março de 1925, o Vasco assinou a escritura de compromisso de compra e venda do terreno onde seria erguido o estádio. No dia 20 de dezembro daquele ano, após o pagamento da última prestação, os dirigentes hastearam o pavilhão do clube no local do futuro estádio.

A Campanha dos 10.000: Como o Povo Construiu São Januário

Para angariar recursos para a construção, o Vasco iniciou uma campanha histórica com três ações principais:

  1. A Campanha dos 10.000: Um verdadeiro manifesto dirigido pelo clube aos seus torcedores nos meses iniciais de 1926. O Vasco buscava atingir a extraordinária marca de 10.000 sócios, suspendendo inclusive o pagamento da joia (valor pago na filiação). O sucesso foi estrondoso, ultrapassando a marca dos 10.000 sócios em 1927, tornando o Vasco o clube com maior número de associados do Rio de Janeiro.
  2. Contribuições individuais: Uma campanha nitidamente popular, com a participação de condutores de bondes, pessoal de bares e restaurantes, funcionários públicos e comerciantes. Vascaínos mais abastados também contribuíram com altos valores, com destaque para o Comendador Antônio de Almeida Pinho, então dono da Fundição Progresso.
  3. Lançamento de debêntures: Autorizado pelo Ministério da Fazenda, o Vasco empreendeu o maior projeto financeiro já proporcionado por uma entidade esportiva, pagando aos investidores juros de 9% ao ano. A liquidação total ocorreu ao final dos anos 1940.

A Construção do Gigante de Concreto

Em 17 de abril de 1926, foi assinado o contrato com a construtora Christiani-Nielsen, e as obras tiveram seu pontapé inicial em 6 de junho, com o lançamento da pedra fundamental e a inserção de uma cápsula do tempo na área do futuro estádio. Estiveram presentes o prefeito do Rio de Janeiro, Alaor Prata, e o presidente da CBD (atual CBF), Oscar Rodrigues da Costa.

Apesar das tentativas de dificultar a façanha vascaína, como o bloqueio da importação do cimento belga, o ritmo das obras foi acelerado. A solução encontrada foi reforçar ainda mais as estruturas do estádio: para cada parte de cimento, 2,5 de areia e 3,5 de pedra britada. Em menos de 10 meses, o Vasco erguia o maior estádio da América do Sul.

A Inauguração e a Grandiosidade de São Januário

Na tarde de 21 de abril de 1927, o Vasco inaugurou o maior estádio da América do Sul. Naquele dia ensolarado, 40.000 torcedores ficaram impressionados com a beleza e a imponência do estádio vascaíno.

A fachada, obra do arquiteto Ricardo Severo da Fonseca e Costa, foi produzida no estilo neocolonial, ocupando cerca de 274 metros de frente para a atual Rua General Almério de Moura. É ornamentada por desenhos em azulejos, obras de arte fabricadas pelo desenhista e pintor lusitano Jorge Colaço.

O aviador português Major José Manuel Sarmento de Beires cortou a fita inaugural ao lado do presidente do Vasco, Raul da Silva Campos, e do presidente da CBD, Oscar Rodrigues da Costa. O Presidente da República, Washington Luiz, também esteve presente.

São Januário: Mais que um Estádio, um Patrimônio Nacional

O estádio de São Januário transcendeu sua função esportiva para se tornar parte fundamental da história política, social e cultural brasileira. Foi nele que:

  • Getúlio Vargas assinou a lei que instituiu o salário mínimo em 1940
  • Foi anunciada a instalação oficial da Justiça do Trabalho no Brasil em 1941
  • O maestro Heitor Villa-Lobos regia corais orfeônicos com milhares de jovens e crianças
  • Políticos como Luís Carlos Prestes, Juscelino Kubitschek, Eurico Gaspar Dutra e João Goulart marcaram presença
  • Foram realizados desfiles de escolas de samba, shows de bandas internacionais e grandes eventos religiosos

O Legado de São Januário para o Futebol Brasileiro e o Vasco da Gama

Passados 98 anos desde sua construção, São Januário continua sendo um símbolo de resistência e inclusão. O tempo nos reservou uma grata surpresa: dos grandes clubes do Rio de Janeiro, o único a ter estádio próprio com condições de receber partidas oficiais de futebol é o Clube de Regatas Vasco da Gama.

São Januário representa muito mais que concreto e arquibancadas. É um monumento à luta contra o preconceito e à democratização do futebol brasileiro. Um templo erguido pelo povo e para o povo, que continua a testemunhar a história vascaína e a emocionar gerações de torcedores.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *